saindo da festa à francesa
comecei a questionar o impacto das redes sociais na minha vida antes mesmo da pandemia. e com o passar do tempo, estou cada vez mais convencida de que as redes sociais não são mais para mim.
no orkut, eu era uma coitada. eu quase convencia as pessoas a me mandarem scraps e depoimentos para montar meu museu do desespero por ser amada. mas foi no facebook que eu realmente descobri a validação online. ele me deu tudo o que o twitter não quis.
meu sonho adolescente era ser uma tuiteira hypada. por muito tempo, eu emulei a personalidade da @desanuvio. nunca hitava: já existia uma desanuvio... e das boas! além disso, ela lidava com hate de uma maneira que eu nunca conseguiria.
lá também descobri que meu pai era racista, minhas irmãs eram homofóbicas, meus cunhados eram machistas, meus tios uns meritocratas classistas, e minhas primas, reaças alienadas.
converter convertido não tem graça, e quando me dei conta que expor minhas opiniões nos grupos já não provocava discussões produtivas, eu ampliei minha audiência e mudei o alvo.
eu tinha adquirido um conhecimento que fazia mais pelo meu ego do que toda a validação que a minha família podia me dar. a euforia de uma boa lacrada e o desprezo que eu passei a sentir por toda aquela gente era quase sensual. eu, que sempre fui questionadora mas pouco eloquente, adquiri a segurança de devolver com o fio da minha língua todo o desamor em argumentos embasados. eu tinha o poder teórico de reduzir ainda mais aqueles seres medíocres e me sentia mais viva a cada opressão da qual eu me libertava.
eu aprendi tantas coisas importantes no facebook que, se tirar o antolho social não tivesse desgraçado tanto a minha cabeça, eu ignoraria a venda dos meus dados para que dark posts me criassem falsas necessidades e me deixasse compulsiva por comprinhas. mas as fake news e o levante da extrema direita, não vai dar para ignorar.
com a chegada dos stories, migrei para o instagram com força. coincidentemente, foi a mesma época em que migrei minha família para a puta que o pariu.
a bolha gorda me deu a visibilidade que eu sonhava em ter... e foi insuportável. foi quando eu comecei com meus detox de 15 dias, mais no foco de descansar a minha imagem, porque nessa época eu postava até uma passada de fio dental.
quando eu sentia que as pessoas estavam cansadas de mim, eu sumia um pouquinho e criava uma nova personalidade para um comeback que rendesse muitas mensagens de “senti sua faltaaa”.
viciada em validação e com medo de rejeição, a expectativa de 2500 pessoas assistindo como eu vivia a minha vida foi demais para mim. coincidiu com o momento que eu entendi que o meu empoderamento não existia a partir da validação, e que não adiantava eu ser aceita no mundo virtual, se não tinha acessos no mundo tridimensional. os problemas de acessibilidade acabaram comigo e com a minha força de vontade em gerar entretenimento. até hoje me pergunto: o que fiz porque queria e o que fiz apenas para entreter as pessoas? a validação do meu biotipo somente atrás de uma tela me fez dissociar que no mundo real ninguém está nem aí para gordo?
decidi matar aquele perfil e começar um novo só com as pessoas que eu realmente convivia. pois é, eu inventei o dix. encerrei aquele perfil com um obituário virtual e até hoje eu dou risada do quão ridículo isso foi.
a constante comparação e a busca por validação afetaram minha autoestima de uma maneira que ainda não sei como curar. por mais que a gente saiba que é tudo um recorte, a ilusão da perfeição é difícil de ignorar, é indomável.
a pandemia mexeu bastante com essa relação. passei um ano inteiro encarando a tela do celular. lembro da primeira ressaca, de não aguentar mais ver gente fazendo live e postando foto de pão.
confesso que não me importo tanto com as pessoas como me importava, porque eu acho que elas não estão mais ali. eu tentei me dar uma chance de tentar viver aquilo de uma forma mais real, mas é estranho porque todo o resto parece uma simulação. as interações cada vez mais superficiais... sinto falta de conexões mais profundas, de conversas reais e envolventes.
adoro pessoas e sei bem com quem quero me conectar olho no olho. isso requer um esforço para puxar assunto por mensagem, e até me propor a sair mais de casa e encontrá-las para tomar um café. estou disposta a tentar.
a sensação de perda de tempo também me afeta muito. passar horas rolando a tela sem um propósito claro, que poderia ter sido um tempo gasto em atividades mais significativas, com foco em mim, me deixa mal. me sinto culpada por esse tempo desperdiçado que não volta.
estou trabalhando nesse equilíbrio de tempo e quantidade de informações. quero aprender a lidar com a dopamina dos vídeos curtos, porque ainda há conteúdo interessante no tiktok. me dá boas ideias, vejo pessoas diferentes e me mantenho um pouco atualizada sobre o que tá rolando no mundo. não que eu me importe muito com o seu eminente fim. a regra é clara: desforra de doido é o talento de delirar no caos da sua própria fantasia. levanto minha carteirinha de neurodivergente como um árbitro novato, apitando com pompa e reivindicando o meu direito de gozar do conforto de não saber nem o mínimo sobre conflitos políticos, crianças bombardeadas, geleiras e biomas sucumbindo. o meteoro vem e eu, que não posso fazer nada, nem olho mais para cima.
cantei parabéns, comi bolo, abracei meus amigos, e até dei um showzinho de carisma, mas estou saindo à francesa, indo embora mais cedo para me organizar para o dia de amanhã.